Embora não se tenha a certeza, assume-se que Luís Vaz de Camões nasceu provavelmente em Lisboa em 1524, e faleceu na mesma cidade em 1580, no dia 10 de junho. Deixou escrito aquele que é o maior poema sobre a portugalidade e que retrata a ambição nacional de sair em direção ao oceano para se afirmar no mundo. Apesar de pouco se saber sobre a sua vida, esta comemoração do V Centenário do seu nascimento certamente trará informações adicionais e novos estudos sobre o poeta, o que permitirá a sua redescoberta.
O historiador Joaquim Veríssimo Serrão, na sua monumental História de Portugal, refere-se ao poeta sublinhando que “o painel cultural de Quinhentos tem como figura principal Luís de Camões, que pela vida atribulada, pela expressão da obra poética e pelo valor da sua mensagem simboliza a grandeza dos valores portugueses derramados pelo Mundo. Cantor d’ Os Lusíadas e lírico de funda inspiração, Camões ligou-se pelo espírito e pelo sentimento aos ideais da sua pátria.” O historiador acrescenta que “foi, ao mesmo tempo, um sonhador e um homem prático, pelo apego ao torrão natal e pelo gosto da aventura, surgindo também como um produto mental do Renascimento. Na sua obra maior, a erudição clássica é posta ao serviço da expansão ultramarina, que para ele representava o destino de Portugal”.
Pelo que é conhecido, Camões teve uma educação escolar que pode considerar-se esmerada, frequentou, porventura, o curso de Artes em Coimbra, então instalado no Mosteiro de Santa Cruz, de que o seu tio, D. Bento de Camões, foi prior. No seu regresso a Lisboa, mais tarde, deve ter convivido com personagens importantes da Corte, como se depreende da sua obra poética, de que são exemplos as composições dedicadas à grande dama D. Francisca de Aragão. É também certo que partiu para Ceuta, onde viria a perder um olho e que regressou depois a Lisboa para, mais tarde seguir para o Oriente.
Na História da Literatura Portuguesa, António José Saraiva e Óscar Lopes referem que “a estadia no Oriente foi acidentada. Assinalamo-lo não só em Goa, mas ainda no Golfo Pérsico, em Ternate, na costa da Cochichina, onde naufragou, perdendo os haveres e uma companheira chinesa, e salvando-se a nado com o manuscrito d’ Os Lusíadas, episódio que assinalou no próprio poema”.
Camões regressa a Lisboa em 1569 e edita Os Lusíadas em 1572, o que lhe permitiu uma tença [pensão] trienal por parte do rei. Com esta situação, o seu nome começa a ser conhecido e escreve várias composições líricas e até cartas para cancioneiros particulares. “As composições líricas de Camões oscilam entre dois polos: o lirismo confessional, em que o autor dá expressão à sua experiência íntima, e a poesia de pura arte, em que pretende transpor os sentimentos e os temas a um plano formal, lúdico”, refere António José Saraiva. Contudo, os seus últimos dias foram de miséria, tendo falecido a 10 de junho de 1580.
Os Lusíadas
Luís Vaz de Camões foi um homem do seu tempo, do Renascimento, por isso “como cristão via o perigo imenso que pesava sobre a Europa e a Civilização – o avanço trágico dos Maometanos; como português não podia conter nos limites do próprio coração o orgulho de quanto ficava o Mundo a dever ao «peito ilustre lusitano». Sentia a obrigação de lutar, tanto com a pena como com a espada”, refere Emanuel Paulo Ramos. O historiado João Paulo Oliveira Costa frisa que o poeta “deu voz a uma divergência de fundo que marcou persistentemente a sociedade quinhentista: deveria Portugal apostar no império afro-asiático ou deveria antes focar-se na frente marroquina? (…) Se na dedicatória do seu poema, o poeta louvava o rei, mais à frente, ao descrever a partida do Gama, introduzia a voz da oposição através do célebre Velho do Restelo”.
Saraiva refere também que “Os Lusíadas estão concebidos como uma mensagem do Poeta ao Rei. Segundo o velho modelo da epopeia, o Autor começa por invocar as ninfas inspiradoras, seguidamente dirige-se ao rei pedindo-lhe atenção para o que vai contar e para ele próprio, e após algumas considerações parte às façanhas que vai narrar”.
Sobre Os Lusíadas, Hélio Alves, refere em ‘O Cânone’, que “o Adamastor é qualquer coisa de único. Os dois episódios são o nec plus ultra do sublime imaginativo e construtivo, onde a poesia supera a retórica. Uma das formas pelas quais se verifica a superioridade artística destes episódios é nas imitações. Só um poeta maior pode, imitando qualquer destas duas passagens, sobreviver. (…) Os Lusíadas possuem outros grandes momentos. Versos e estâncias que ficam na memória. As marcas muito poderosas do estado de alma do sujeito autoral («vão os anos decendo…»). E também episódios: o retrato de Vénus; toda a passagem lindíssima que começa «a gente da cidade, aquele dia» e termina com o Velho do Restelo; o magnificente delírio erótico na ilha”.
Um autor multifacetado
No dicionário de História de Portugal, compilado por Maria Cândida Proença, refere-se que “Camões é um autor multifacetado. Como nenhum outro, a sua obra abrange diversas correntes artísticas e ideológicas do século XVI, ao mesmo tempo que assenta sobre uma experiência pessoal múltipla e diversificada. Guerra, vida oriental, cadeia, fome, boémia e amores, aspetos que lhe permitiram dar forma a um conjunto de ideias, valores e sentimentos característicos da sua época”.
Durante o Estado Novo, o regime utilizou Camões para legitimar o seu patriotismo. “Neste contexto de recuperar e recriar o passado para legitimar o presente, a evocação de Camões ganha novo significado. (…) As várias homenagens que são prestadas a Camões a 10 de junho [1935] permitem antever um grupo especial de participantes nestas festas. À semelhança do que fizera no ano anterior, o SPN convidara jornalistas e intelectuais estrangeiros a visitarem Portugal no mês de junho. Mas em 1935, são completamente diferentes, quer o número de convidados quer a forma como são recebidos os membros do que se designa por «embaixada intelectual»”, refere a jornalista Helena Matos.
Camões e outros artistas
Fernando Pessoa considerou Camões como um dos seus mestres literários. Na recente biografia escrita por Richard Zenith, refere-se que “Pessoa imitou o estilo dele mais do que uma vez na sua poesia de adolescência. O soneto «Metempsicose», incluído no terceiro número de O Palrador que nos chegou, escreve como «a alma pura» de uma mulher admirada de longe desperta «impulsos mais puros» no narrador, cuja alma ela vem habitar. Isto é um argumento amoroso extraído diretamente de Camões”.
Para além de admirado na prosa e na poesia, Camões foi também cantado por vozes maiores do fado, como Amália Rodrigues. Vítor Pavão dos Santos, o seu biógrafo oficial, revela que “para Amália, Camões era uma paixão abrasadora, talvez a sua paixão artística, mas nunca ousou meter os seus versos nos fados clássicos, por muito bonitos que fossem. Foi preciso aparecer-lhe Alain Oulman, com a sua profunda sensibilidade e o seu excecional engenho musical para que Amália atingisse então o poeta mais amado. E tal foi o amor que, já desaparecido Alain Oulman, Amália continuou a cantar Camões, especialmente com a bonita música de Carlos Gonçalves”.
Por último, uma referência ao montemorense João Alfacinha da Silva (Alface) que teve a ousadia de escrever um livro, em parceria com Manuel da Silva Ramos, a que foi dado o nome de os lusíadas. A investigadora Teresa Carvalho refere que “de todo o tipo de émulos, parodistas incluídos, que entre nós Camões inspirou (e foram mais que muitos) poucos se revelaram tão originais como Alface e Manuel da Silva Ramos.” O livro é escrito em França e Portugal entre 1972 e 1977, ano em que é publicado. Contudo, “a obra não recebe praticamente atenção crítica, algo que será assinalado por Almeida Faria, na única recensão significativa, publicada em 1979, na Colóquio / Letras, na qual alude à «mesquinhez local»”, sublinha Manuel Portela.
De entre os poetas portugueses, Camões é alguém que agrega opiniões e que junta consensos porque, no fundo, todos os estudantes têm um contacto com a sua obra maior: Os Lusíadas. Por isso, esta celebração é importante porque vai dar um novo foco sobre a sua obra e também sobre a sua vida.
A.M. Santos Nabo
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