O mês de abril é aquele em que muda o calendário do jornal Folha de Montemor. Neste mês fazemos um novo virar de página, a 34ª, o que é algo que nos deixa bastante contentes. Apesar de todas as dificuldades pelas quais temos passado, a Folha vai chegando todos os meses às bancas e a casa dos nossos assinantes.
Este ano, comporta ainda uma marca especial: a atual direção completa duas décadas à frente da Folha, o que tem sido um desafio a todos os níveis, mas isso constitui para nós um repto que todos os meses pretendemos e conseguimos ultrapassar. Lembro com saudade uma mensagem que um “velho do Restelo” me enviou quando cheguei à direção do jornal: “não duras seis meses”…
Contudo, fazer este jornal tem sido um prazer e vê-lo todos os meses nas bancas é, sem dúvida, a nossa contribuição para a sociedade onde vivemos. A equipa que tem feito a Folha ao longo destas décadas, apesar das muitas alterações, é notável e tem revelado uma resiliência única com a capacidade de ultrapassar as situações mais difíceis e de se regozijar com os bons resultados que alcançamos, onde a conquista do Prémio Gazeta em 2012 foi o nosso ponto alto.
Neste mês de aniversário é tempo de fazer um pequeno balanço sobre o que significa isto de fazer jornais e, como dizia e bem, Arthur Miller, colocar a sociedade a falar com ela própria. Contrariamente ao que se perspetivava com a chegada da internet e da ocupação de uma parte considerável do espaço mediático pelas redes sociais, nem todos os jornais desapareceram; alguns continuam a fazer o seu trabalho, com maior ou menor número de páginas, mas a continuar a deixar a sua marca na comunidade onde vivem. É certo que a realidade de hoje é substancialmente diferente da que existia quando o projeto de fazer a Folha foi lançado, a sociedade mudou e há uma nova geração que já nasceu com internet e que tem disponível outras formas de comunicar e de saber o que se está a passar à sua volta. Contudo, o que sai nos jornais tem de fazer diferença sobre o que chega às redes sociais, a maioria das vezes, sem escrutínio, sem investigação e sem conhecimento. Por isso, o papel dos jornais se mantém, porque eles continuam a ser um garante da verdade, uma vez que é esse o principal compromisso que têm para quem os lê.
Apesar da passagem dos tempos, “a imprensa periódica é um poderoso veículo de transmissão de informações, de difusão de ideias, um amplo repositório de conhecimentos e das sensibilidades do seu tempo, daí, um dos mais expressivos avaliadores das atitudes mentais e das correntes de ideias na sociedade, para além dos círculos restritos”, como refere o historiador José Tengarrinha na obra “Nova História da Imprensa Portuguesa”. Mesmo com a difusão das redes socias, a imprensa escrita continua a marcar um território próprio para a transmissão das ideias e para o debate público, embora esteja hoje acompanhada de outros meios que se complementam. O historiador acrescenta ainda que “o jornalismo é uma das mais ricas fontes históricas de que se pode dispor, não só para o estudo de acontecimentos relevantes, mas igualmente para o conhecimento de factos menores, que no seu conjunto constituem o tecido da vida quotidiana das sociedades “.
O papel do jornalista
Esta vantagem do jornalismo é algo que não se deve desprezar porque o repórter é uma testemunha dos acontecimentos, ele esteve lá, o fotografo esteve lá e por isso existe aquela fotografia. E mais, ele sabe que, por ser essa testemunha, deve relatar os factos que presencia e deve interpretá-los para que a informação possa chegar com clareza ao público que o lê, o vê ou o escuta. Isabel Nery sublinha que “quando o mundo se atravessa assim à frente do repórter, tem de deixar de ser só ele – para chegar ao outro. O que seria do jornalismo sem «o outro»? Nada. Porque nada haveria para contar e ninguém haveria para ler ou ouvir”, e acrescenta, “se o jornalista é testemunha, é isto. Se o jornalista é denúncia, é isto. Se o jornalista é veículo de informação que permite olhar para o mundo de forma crítica, é isto”.
Olhando para a realidade do tecido político, é a imprensa que pode fazer uma ponte credível entre os políticos e a restante comunidade porque a sua atuação deve ser descomprometida com o poder. Hoje, com a chegadas das redes sociais, os políticos publicam tudo e mais alguma coisa para mostrar que estão vivos. Contudo, essa informação apenas tem como principal objetivo servi-los e não servir quem os elege. Esse papel de escrutínio e de colocar questões continua a caber aos jornais e demais órgãos de comunicação social. A jornalista Judite de Sousa menciona que “entre os políticos e o público estão os jornalistas. Será ingénuo pensar que os media deixam intacto aquilo que mediatizam. Os jornalistas não são espelhos que se colocam diante da realidade e que a refletem tal e qual ela é. Isso é uma fantasia. Não existe objetividade informativa, mas há honestidade informativa. Podemos chamar-lhe neutralidade ou imparcialidade. É uma atitude, um comportamento, um padrão de conduta que os públicos saberão julgar.”
Mas para que esta isenção exista de facto, o jornalismo não pode estar completamente dependente das ajudas e das receitas publicitárias deste ou daquele poder político ou deste ou daquele grupo económico. Para que seja mesmo credível aos olhos de quem lê a imprensa, “o jornalismo não deve ser apenas uma atividade comercial, ou um diletantismo intelectual, deve antes possuir aquela dose indispensável de virtudes sociais que lhe permitem ter, na sociedade, um papel simultaneamente crítico e construtivo”, frisa o jornalista José Manuel Fernandes.
Da imprensa regional
Por último, uma palavra sobre aquilo que nos move e que Frederico Duarte Carvalho relatou com clareza no 4º Congresso dos Jornalistas: “o saber ser jornalista está naquela centelha de luz nos olhos que se manifesta através do espanto quotidiano e curiosidade. Saber ser jornalista é saber reagir com inteligência e vontade de ir mais além da simples verdade oficial. É aquele que desafia a falta de lógica sem medos, quando as leis da física, química e ética são violadas”.
A terminar, uma nota sobre a necessidade da imprensa regional. Na realidade atual, aquilo a que assistimos face aos cortes orçamentais que afetam todos os órgãos de comunidade social é uma litoralização das notícias em Portugal, como se o país se limitasse à faixa geográfica que pode ver o mar. Para lá desse território continuam a existir pessoas e factos que merecem destaque jornalístico, mas parece que essa é uma função que está limitada à imprensa regional que, sem os mesmos meios, mas, muitas vezes, com uma vontade férrea, vai deixando o registo daquilo que se passa no país real. Deste modo, entendemos que o projeto da Folha se deve manter, por que ele tem sido a voz dos que não tem voz, a escrita dos que querem ter opinião e tem sido também nestas páginas que a sociedade montemorense tem debatido os mais variados temas, isto é, tem sabido falar com ela própria. Por isso, estamos todos de parabéns por este 34º aniversário. Obrigado por continuarem a confiar em nós.
A.M. Santos Nabo
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